Ter
asas e poder voar, poderia ser apenas mais um daqueles desejos infantis
que nos surgem a quase todos, um dia, enquanto crianças. Mas voar,
desafiar os limites da física e da imaginação, alargar horizontes é,
muito mais do que o sonho de um menino de seis anos a ver os desenhos
animados do Super-Homem pela primeira vez. Centenas de pessoas -
número de passageiros retidos no aeroporto Cristiano Ronaldo, no Funchal - pensaram nisso, com mais desespero mas bem menos afinco e
imaginação do que antes haviam feito Da Vinci, Santos Dumont, Gago
Coutinho e Sacadura Cabral, Júlio Verne ou mesmo um lunático mas
empreendedor Howard Hughes. O Homem inventou o progresso à custa de mil e
uma necessidades, do bem estar colectivo, da ambição pessoal ou - como
dizia o sábio Orson Welles - pelas mulheres. "Se não fossem as mulheres,
o Homem ainda estaria agachado em uma caverna, comendo carne crua. Nós
só construímos a civilização com o fim de impressionar as nossas
namoradas". Do fogo à roda, dos pés assentes no chão às nuvens foi um
instante. Quando Neil Armstrong pisou a Lua, a 21 de Julho de 1969, o
céu já tinha deixado de ser o limite, num mundo em constante
desenvolvimento. "Um pequeno passo para o Homem" era o mote para o
futuro, uma porta aberta a um manancial de novas e importantes
descobertas a todos os níveis. "Até ao infinito e mais além!",
prenunciava o simpático e arrojado Buzz lightyear, inseparável
companheiro de aventuras de Woody, em Toy Story. Mas eis que em pleno
ano de 2017, e fartos de encher o peito de ar com a bandeira do
progresso e da tecnologia sofisticada, o Homem regressa à sua condição
de anjos de asas cortadas, na expiação de uma panóplia incomensurável de
pecados contra os seus semelhantes e contra a humanidade. E tudo por causa de uns ventos mais fortes - 65 a 75 quilómetros por hora - que têm assolado aquela região nos últimos dias e que promete prolongar-se ainda durante algum tempo. Impedidos os aviões de voar como mitológicos Ícaros de asas
queimadas mas desta vez por causa de forte ventania, centenas de passageiros, compromissos adiados, sem alojamento que não os bancos desconfortáveis do
aeroporto, a terem de encarar o busto inolvidável do craque português do Real Madrid, a permanência forçada na pérola do Atlântico, como um
Auschwitz improvisado, motivou uma reacção curiosa de um estrangeiro
cuja proveniência já esqueci: "How to escape from Portugal?". E de
repente damos com Portugal, ao contrário das palavras encorajadoras e sempre optimistas do nosso
Presidente, ao nível de uma Grécia, como um jardim que já foi corte de Alberto João, à beira mar plantado
mas já sem flores, os bolsos furados e vazios insuflados, prenhos de um
orgulho duvidoso e que não enche a barriga, um país ainda adiado, vivendo ligado à máquina, alimentando-se de promessas e ilusões, como se o futuro fosse um vôo nocturno sem radar, um mortal
num trapézio desprovido de rede, um navio... de onde todos os ratos já
fugiram. E se Baptista-Bastos estava afinal enganado quando escreveu que
"o Homem quando quer consegue tudo - até voar" - com excepção da Tap -, pergunto-me eu: how to
escape from Portugal?
#oladobdavida2 #cristianoronaldo #madeira #tap